quinta-feira, 10 de junho de 2010

band-aid


Eu quis muito aquele sapato.
Ele era tão lindo.
Um traidor!
Mas é sempre assim. Eu sempre escolho o sapato que mais devora pés de toda a minha sapateira exatamente no dia em que sei que ficarei andando de lá para cá o tempo todo. A competência de escolher errado é tanta que, numa outra ocasião, cheguei a jogar um scarpin safado na lata do lixo. E ele nem era tão velho. Era só odioso.
Bom, mas o fato que segue relatado abaixo, eu estava com outro par de sapatos divino, mas que nem com toda sua divindade conseguia se redimir do mal que me causava.
É fácil me lembrar com detalhes dos episódios porque todos os momentos ficaram registrados na minha memória e no meu dedinho.
Lembro-me de cada passo: a ida ao banheiro com a amiga, a volta do banheiro, longas caminhadas do carro a entrada da festa e vice-versa quando tentei ir embora, o fato de ter que levantar para comer quaisquer que fosse o prato de tamanha delicadeza.
Suplício.
Já ''acomodada'' na mesa, olhei para os meus pés.
Sapatinho safado...
Eram só nove e quinze. A longa noite só estava começando, e pretendia acabar em algum momento entre uma e duas da manha. Cinco horas, meus amigos. Cinco horas, era o tempo que eu teria de resistir. Maldição. E a amiga, não parava sentada. Oxii!
Tentei de tudo. Pedaços de papel dobrados para proteger a pele onde a situação era mais crítica, algodão que não solucionava quase nada.
Não, eu não tinha um band-aid na minha bolsa. Nunca tenho um band-aid na minha bolsa quando preciso de um band-aid. Mas por meses sem precisar dele, eu tinha tido um. Um cujo envelopinho derretera de tanto esperar, dormindo em minha carteira. Vai acabar feito o outro sapato: na lata do lixo. Mas naquele momento, em que eu seria capaz de trocar uma mecha do meu cabelo por um esparadrapo, não havia nada ao alcance dos meus pobres pés.
Existiam, pois, algumas mulheres com sapatos tão deprimentes quanto o meu.
Sim, elas, sua solicitude e suas bolsas que são mais pra um quite de sobrevivência.
Lá vinha uma delas conversar com a amiga.
Antes que chegasse perto, percebi em seu semblante algo de familiar. Por detrás de toda elegância, vi que ela tinha cara de quem estava com sapato apertado.
_''Oi. Você não teria, por favor, se não for incomodar, sem querer atrapalhar sua diversão, ó, adorável senhora, um band-aidinho para me emprestar?''
_''Band-aaaaaaaaaaaaaid???''
Sim, era um band-aid que eu queria. Não havia pedido uma banana de dinamite, anfetaminas, um tubo de KY ou um pedaço de pizza fria. Queria um band-aid. Um band-aidinho safado, pelo amor das almas.
_''Rarrã, é, sim, é, você não têm um?''
_ ''Não.''
E fim.
Insucesso absoluto.
Vaca.
Duvido que ela não tivesse um band-aid naquela bolsa enorme nada tendencioso àquela festa.
Nunca vislumbrei o paraíso, mas ali, entre as nuvens, para mim, ele era um só.
Um band-aid, pelo amor de Deus.
Antes que eu pudesse mostrar meu pé em sangue para a amiga, apareceu outra mulher. Sorridente, saltitante, quase feliz. E ela nem estava de havaianas.
Resolvi abordá-la quando a outra - a nervosa - não estava olhando.
_''Oi, puxa, você não teria um band-aid para me emprestar?''. Tentei de novo, falando baixo para a outra não ouvir.
_''Ah, um band-aid. Tenho, tenho sim. Tenho um só, na minha bolsa, mas eu já vou pegar para você, tá?''
Lá foi ela, toda faceira, voltando com um band-aid, bem velhinho, que me deu nas mãos.
Olhei descrente para aquele pedaço de papel...
Deveria estar guardado na bolsa da moça para uma emergência qualquer.
Santa mulher. Santa aniversariante que a convidou.
Saí de lá mancando um pouco menos. Saí quase de joelhos, sim, mas só para economizar o band-aid e mostrar gratidão à mulher que havia salvado minha vida. - ARRÃ! -
A noite passou. O pobre do band-aid doado não resolveu muito os meus problemas a longo prazo, é claro. Derreteu-se após duas horas de tentativas dançantes. Mas o ato de bondade acalentou meu coração. Procurei ficar sentada a maior parte do tempo para não piorar.
Quando eram uma e meia da manhã eu já me preparava para cantar o parabéns e ir em direção à minha casa para cair em um belo sono na minha caminha.
Nunca vislumbrei o paraíso, mas ali, entre as nuvens, para mim, ele era um só.
Correr descalça pelos corredores enormes daquele lugar localizado no Grajaú.

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